STONER de John Williams (D. Quixote)
"A simplicidade é o que há de mais difícil no mundo: é o ultimo reduto da
experiência, a derradeira força do génio " George
Sand
A vida encerra em si esse poder, essa
magia, esse encantamento. Salva-nos sempre para algo novo. Os livros são como a
vida. Alguns são vida eles próprios. Acontece sempre nos livros e nas histórias
que quando tudo parece imóvel e indiferente, algo de novo acontece. E assim é.
Um sorriso, um olhar, uma espécie de energia fundamental brota do aparentemente
nada. E o especial disso é que é na simplicidade, no quase vazio que esse génio
desponta. Este livro, que é algo de primordial na escrita, tem isso. Essa magia
própria das coisas que admitem o passar do tempo. “Stoner” é hoje para mim nada
menos do que um clássico. Do Séc. XX, no entanto um clássico. John Williams foi
pouco menos do que um escritor desapercebido pelo tempo. No entanto este fez
justiça à sua obra. Um livro dos anos sessenta, ignorado pela maioria da crítica
e com escasso acesso pelos leitores fez o caminho de todas aquelas empresas que
o tempo ajuda a consolidar. Hoje, talvez se faça um pouco maior do que era
inicialmente, no propósito inicial do autor, mas isso não é defeito.
Simplesmente sobreviveu ao maior crítico, o tempo. É ele, na sua infinita
relatividade e pouca margem para o justo, que aqui ou ali nos vai surpreendendo,
já não relativamente, mas absolutamente. A história de William Stoner é um
monumento a tudo o que é a escala do ser humano. Não se levanta um milímetro do
que que é a normalidade da vida de uma personagem singular. Não por si, não
pela sua circunstância, não pelos cenários que o enformam, mas pela essência.
Por algo que permanece imutável e que define as obras e os homens, uns antes
das outras: a forma. Pois é da forma que que trata Stoner, da infinitamente
cuidada forma como se trata a vida e a história de alguém. Da inescapável
história da normalidade, da mediania de uma vida que se aceita tal como é. Com
tudo que isso encerra, com alegrias, tristezas, excessos e ausências de amor e
sentimento. Enfim, ler a vida, num registo de assustadora normalidade. Num
estilo, numa forma de contar e de escrever que transcende essa aparente
mediania para se transformar em algo que nos muda. Não é pelo que outros dizem,
não pelo que outros de uma ou outra forma nos vão mostrando que podem ser, ou
vir a ser que se deve desvalorizar algo que é nuclear, repito, ainda e sempre, a forma.
Stoner, de John Williams é um dos romances
mais absolutos que tive o privilégio de ler até hoje. Acredito que a minha
opinião seja objeto de discórdia ou diferença. Acredito e aceito. Mas façam um
favor a todos e a cada a um e discordem. Discordem ou rejeitem, mas leiam.
Há obras que nos fazem acreditar que a
medida de tudo está em cada um de nós. Na solidez, naquilo em que se acredita.
Mas sobretudo na forma como se faz. Quer como se vive, quer como se escreve uma
história tão esmagadoramente simples como a de cada um de nós. Todos conhecemos
o argumento e com razoável probabilidade, também teremos um William Stoner perto de nós. Poucos o sabem, e muito menos
ainda o podem mostrar na escrita. Fica sempre algo de gratidão a quem sabe da vida mais do
que nós. Obrigado por esta amostra da escala da verdade e do simples, que é,
ainda assim, o mais difícil de contar e escrever. É assim, de onde menos se conta, quando
menos se espera, que a verdade colide connosco e nos atira para o que sempre
acreditamos que nos podia acontecer. Não me lembro de um livro tão parecido com
a vida. Não creio que possa dizer mais. J
Boas Festas e
Boas Leituras!!!
Na Mesinha De
Cabeceira:
O MUNDO DE FORA de Jorge Franco (Alfaguara)
ORGULHO E PRECONCEITO de Jane Austen (Ed. Presença)
D. QUIXOTE DE LA MANCHA de Miguel de Cervantes - Versão
de Aquilino Ribeiro (Bertrand)
A CONVERSA DE BOLZANO de Sandor Marai (D. Quixote)
VIAGEM AO FIM DA NOITE de Louis-Ferdinand Céline
(Ulisseia)
MONTEDOR de José Rentes de Carvalho (Quetzal)
O LEGADO DE HUMBOLDT de Saul Bellow (Quetzal)
AMORES E SAUDADES DE UM PORTUGUÊS ARRELIADO de Miguel
Esteves Cardoso (Porto Editora)
PANICO NO SCALA de Dino Buzzati (Cavalo de Ferro)
TUDO O QUE SOBE DEVE CONVERGIR de Flannery O´Connor
VITORIA de Joseph Conrad (Ulisseia)
OS FACTOS de Philip Roth (D.Quixote)
DJIBOUTI de Elmore Leonard (Teodolito)
ALGUMA ESPERANÇA e LEITE MATERNO de Edward St Aubin
(Sextante)
O FILHO DE Philipp Meyer (Bertrand)
A CASA DA ARANHA de Paul Bowles (Quetzal)
A MULHER MAIS BONITA DA CIDADE de Charles Bukowski
(Alfaguara)
TEATRO DE SABATH de Philip Roth (D. Quixote)
O TODO-MEU de Andrea Camilleri (Bertrand)
O TEOREMA KATHERINE de John Green (ASA)
CONTOS E NOVELAS I de Saul Bellow (Relógio d´Água)
AS LUZES DE SETEMBRO de Carlos Ruiz Zafón (Planeta)
MAS É BONITO de Geoff Dyer (Quetzal)
LIBRA de Don DeLillo (Sextante)
RELATÓRIO DO INTERIOR de Paul Auster (ASA)
ALFABETOS de Claudio Magris (Quetzal)
MIRAGEM DE AMOR COM BANDA DE MUSICA de Hernán Rivera
Letelier (Quetzal)
O JOGO DO MUNDO de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)
DIÁRIO PARA ELIZA de Lawrence Sterne (Antígona)
DANUBIO de Claudio Magris (Quetzal)
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