NOVELAS EXEMPLARES de Cervantes

“Que o papel fale e a língua se cale” Miguel Cervantes y Saavedra

De regresso a livros de outros tempos, a sugestão desta semana é a da leitura das “Novelas Exemplares” de Cervantes. É um exercicio de regresso à escrita daquele que é considerado um dos “pais” do romance moderno. Originalmente publicado em 1613, apetece adaptar a célebre frase de Napoleão Bonaparte relativamente às pirâmides de Gizé e dizer: do alto destas páginas quatro séculos vos contemplam. E é de muito alto que a escrita de Cervantes nos contempla. A caracterização do género humano, seus defeitos e feitios, suas manhas e desvios e suas virtudes e feitos é de uma actualidade que fere. Mais uma vez, esta é uma sugestão que se impõe às centenas de novos titulos que vão desaguando no mercado numa vertigem de publicar que livreiros e editores paracem partilhar nos tempos que correm. O comércio e a literatura andam por vezes demasiado ligados, nem sempre com bons resultados para os destinatários. Fazem o favor algumas editoras, de, numa base quase diária, me ir informando do que publicam. É humanamente impossivel acompanhar, pelo que, me vou quedando pelo que me parece mais conveniente e isento de risco, nesta minha aventura particular de me atrever a sugerir leituras. Voltando à obra, que é composta de vários contos (ou Novelas) tenho a dizer que são de facto exemplares. O primeiro “O Casamento Ardiloso” que desemboca num surreal diálogo entre dois cães que se encontram miraculosamente providos do dom da fala, e onde, entre Cipión e Berganza, os dois protagonistas, vamos viajar pelas mais variadas formas de abordar a natureza dos homens, vista com um escrutinio muito particular por ambos os animais. Se mais não fosse este intemporal diálogo por si, justificaria a leitura. Mas há mais, e tão bom ou melhor. E surpreende o registo, que é muito bem humorado e de uma perspicácia invulgar, que Cervantes imprime em tudo o que escreve. De notar que a forma depurada e simples da narrativa, um certo despojamento de artificios e sobretudo o que já se sente na opinião de Cervantes, um distanciamento relativamente a um certo tipo de autores que se impõe não pela qualidade intrínseca do que escrevem, mas pela forma rebuscada e artificiosa como se tornam quase ininteligíveis fora dos circulos académicos. A este respeito é de ver o que Cervantes diz sobre os que usam e abusam do latim nas suas obras, não cuidando nem de o entender nem, de que os leitores o entendam. Para terminar e como nota de espanto, há que dizer que Cervantes cuja própria vida foi bastante romanesca, começa a escrever sómente após os sessenta anos. Isto que pode encerrar em si uma ideia de que nunca é tarde para se começar seja o que for, diz-me a mim, que devemos ter perdido muitas e boas obras se a esse ofício mais cedo este enorme escritor de sempre se tem dedicado. Fecho a dirigir-me para a estante de onde vou retirar o “D. Quixote” que, “mea culpa”, ainda não li.Boas Leituras!

Na Mesinha De Cabeceira:

A Casa Verde de Mario Vargas Llosa (Dom Quixote)

O Adeus às Armas de E. Hemingway (Livros do Brasil)

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