OS LINDOS BRAÇOS DA JÚLIA DA FARMÁCIA de José Rentes de Carvalho (QUETZAL)

"Nada parece verdadeiro que não possa parecer falso” de MONTAIGNE

Muito dificilmente admito certas coisas a mim mesmo, uma delas, vá lá saber-se porquê, é o “pecado” da idolatria. Simplesmente nunca fui de cultos nem gosto particularmente de gente que revira os olhinhos quando olha para os seus deuses, particulares ou colectivos. Talvez seja daí que vem o meu relativo desapego a concertos e festivais. Um dia vos direi sobre o efeito que os “encores” me provocam. E a verdade é que quanto mais alto se coloca a fasquia maior é o tombo, literalmente. Assim, tento pautar-me por um entusiasmo saudável que me garanta que não tenha muitos dissabores, pelo menos nas leituras, que é o que aqui importa. José Rentes de Carvalho, é um dos poucos nomes que realmente me entusiasma no panorama literário a que vou tendo acesso, e se falarmos de autores portugueses vivos, a coisa anda dividida por dois, um é o Rentes de Carvalho, o outro poderá ser um livro qualquer de qualquer autor desde que venha a gostar, o que tem sido cada vez mais dificil. Culpa minha decerto, que gosto de ler por prazer e não por moda ou mesmo por martírio, essa patologia de aflição na leitura que cada vez mais encontro à minha volta, em que grupos mais ou menos especializados (serão seitas?) se dedicam a incensar alguns escritores mais ou menos... (ia acrescentar qualquer coisa, mas de súbito, pareceu-me bem o mais ou menos). Nesta sugestão de leitura estou um pouco rebarbativo, provavelmente o efeito de regresso de férias, mas também há boas novas. Este “Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia”, conjunto de contos (ou short stories, para quem prefira anglicismos), está perfeitamente ao nível do que se espera do grande José Rentes de Carvalho. Não me canso de ler este formidável escrutinador do mundo e da vida. Num compromisso que cabe ao leitor avaliar, entre a verdade factual e a verdade literária (se é que há distinção de facto...) temos e lemos uma sucessão de episódios que remetem para algo de incomum: o reconhecimento. Reconhecemos como absolutamente credível, possível e intrínsecamente humano qualquer dos enredos destes contos. Mestre Rentes tece uma tela em que a teia é a Verdade e a trama um talento excepcional para contar histórias. É muito dificil pedir mais e melhor. Deixem pois que estes “lindos braços” vos encaminhem para o mundo de Rentes de Carvalho, que de tão simultaneamente cosmopolita, minhoto e duriense, se torna naquilo que nunca deixou de ser, o nosso mundo também. Tenho para mim que há diversas categorias de grandes escritores, a minha preferida é a dos “contadores de histórias”. Sem aprofundar o conceito, acho que é a mais antiga e nobre linhagem no que respeita aos maiores de entre os que escrevem. E se há quem mereça figurar nesta categoria é indubitavelmente José Rentes de Carvalho a quem devemos enquanto portugueses resgatar da relativa obscuridade à qual o votamos durante décadas. Culpa nossa, lucro neerlandês. Termino com a satisfação de poder sugerir uma leitura de um autor português que é excelente cá, lá e pelo caminho. Boas Leituras (e Férias se for o caso...)!

Na Mesinha De Cabeceira:

A Casa Verde de Mario Vargas Llosa (Dom Quixote)

Suite Francesa de Irene Nemirovsky (Dom Quixote)

Quando Nistzsche Chorou de Irvin D. Yalom (Ed. Fio da Navalha)

O Cemitério de Praga de Umberto Eco (Gradiva)

No Coração Desta Terra de J.M. Coetzee (Dom Quixote)

Comentários

Fernando Lopes disse…
Ricardo,

Também achei os "flashes" em forma de conto de J. Rentes de Carvalho de uma verosimilhança assustadora. Peguei na "Júlia" com moderadas expectativas, mas Rentes é um "globetrotter" da escrita. No romance, no ensaio, no conto, sai-se sempre brilhantemente. O reconhecimento "público" deu-se finalmente com a "Júlia" que anda por aí em nº1 em várias livrarias da invicta. Já não era sem tempo!!
Ricardo disse…
Assino por baixo, companheiro Rentomaníaco!!! Abraço e beijos às meninas!!!

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