AS ESGANADAS de Jô Soares (Editorial Presença)
“A gula mata mais do que a espada.” George
Herbert
Não há que lhe fazer. Sou fã. Jô Soares, que dispensa qualquer tipo de
apresentações enquanto “entertainer” é
também um magnifico escritor. Sempre num registo muito próprio a que não falta
nunca um humor também ele singular, tem fabricado algumas obras, infelizmente
poucas, que me tem oferecido algumas horas de grande prazer. Sou um inconfesso
admirador do género policial, disso tenho, penso eu, dado bastante testemunho
nestas colunas, mas há ingredientes que acrescentam em muito ao género. É
também aqui o caso. Neste livro, Jô Soares volta a introduzir-nos um serial killer pouco comum. A começar
pelo nome e função. Caronte, herdeiro da funerária Estige, é, ao contrário do
romance policial clássico, em que cumpre ao leitor a descoberta do putativo
criminoso, desde logo descrito e anunciado como o autor dos terríveis crimes
que assolam a sociedade carioca de finais dos anos 30. Jô Soares, colocando-nos
na época já visitada do Estado Novo brasileiro, (já anteriormente retratado em
“O Homem que matou Getúlio Vargas”) e nas vésperas da Segunda Grande Guerra,
retrata a sociedade brasileira de então em muitas das suas particularidades.
“As Esganadas”, as vitimas, são mulheres que tem entre si o facto de serem
gordas e gulosas. A morte vem na improvável forma de doçaria típica portuguesa.
A investigar estas mortes, um trio incaracterístico, com dois policias cariocas
e um português, ex-polícia em Portugal que chega ao Brasil e se junta à
investigação. Entram também lateralmente como personagens históricas Fernando
Pessoa, descrito no caso que faz com que Tobias Esteves, o português em causa,
é afastado da policia portuguesa por participação na encenação do suicídio de
Alastair Crowley, no qual o próprio Pessoa tem participação. A forma como o
autor dispõe a trama permite-nos ficar a conhecer melhor a época e os costumes
de então. Há várias personagens e episódios reais que se entrecruzam na
história, o próprio Manoel de Oliveira entra como piloto de automóvel no
Circuito da Gávea. Assistimos ao relato de futebol da meia-final da Copa de
Mundo de 1938 que o Brasil perde para a Itália. Todos os capítulos são também
pontuados pelas notícias dadas via rádio, sempre com anúncios das mais curiosas
novidades. Enfim, um mundo de coisas. Umas novas, outras nem tanto, mas sempre
interessantes. Como sempre, falta aqui espaço para poder falar de tudo o que
importava para poder despertar o interesse para esta obra. Mas o mais simples
será dizer que gostei, mais uma vez. E que recomendo sem temor. Fico a aguardar
o próximo.
Boa Semana e Boas Leituras!!!
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