A INCRIVEL VIAGEM DE UM FAQUIR QUE FIXOU FECHADO NUM ARMÁRIO IKEA de Romain Puértolas (Porto Editora)
"Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte a transbordação de uma
população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre." Eça de Queirós
Há os chamados “feel good movies”, assim
como também há os “feel good books”. Este é claramente um deles. Mais uma vez
foi uma escolha por impulso. Achei piada ao título e gostei da capa. O inverso
do “nunca julgues um livro pela capa”, dito que se aplica em geral às pessoas,
e menos aos livros, como é evidente. Discutia ontem com uma amiga leitora as
fases de motivação para ler. Há alturas em que se lê de tudo com menor esforço
e outras em que, por acumulação de fatores externos damos por nós a procurar
algo que esteja mais do lado do entretenimento do que da arte. Tem-me
acontecido. Não me tenho apesar disso arrependido. Alguma ligeireza no registo
e menos preocupação com a forma não invalida que se aprenda alguma coisa.
Tenho-o dito, e repito com gosto, que o importante é ler, não é exatamente o
quê nem quem. É um pouco como a vida, o que realmente importa é vivê-la, e não propriamente
o cenário ou as personagens. Até porque, a vida ultrapassa largamente a ficção
em quase todos os registos, é só elencar as personagens que se nos atravessam
no caminho. Este livro, é garantia de um par de horas bem passadas na
improvável e fantasiosa companhia de uma personagem muito bem conseguida. Um
faquir Ajatashatru Larash Patel, que,
tendo feito carreira a enganar toda a gente, vai encetar a mais improvável das
viagens. O enredo tem suficiente nonsense
para acabar a fazer todo o sentido. Para além de situações cómicas (nunca
chega à gargalhada é certo, mas mantém o leitor com um sorriso, o que não é
menos fácil), o périplo da personagem principal até ao desfecho num final auto referente,
lembra-nos algo de muito próximo e simultaneamente esquecido. A emigração, e
seja ela motivada pelo seja, numa forma de contar uma história que nos prende,
o autor, Romain Puértolas, compele-nos a refletir sobre os imensos dramas que a
emigração dos muito pobres encerra. O contraponto entre o sucesso fácil e de
quase geração espontânea de Ajatashatru, de
que temos notícias similares de forma quotidiana, compara com a dor dos que
nunca atingem. Dos que procuram sempre uma solução longe para poderem viver
onde desejam, perto do seus e com condições dignas. Encontra-se nesta alegoria bem-disposta
muito material para reflexão. Aqui não se brinca com coisas sérias, dizem-se
coisas sérias de forma menos triste, o que é um mundo de diferença. Vou ficar a
pensar mais em tráfico humano, em exploração, desencanto, desilusão e em o que
quer que seja que faça com que se tente a sorte longe de outra forma. É claro
que esta história é um conto de fadas moderno. Um conto de faquires. Mas a
transformação de alguém que ilude e se transforma, porque chega a essa mesma
conclusão. Que o iludir os outros é no fundo viver uma mentira, mostra-nos de
maneira leve e imaginativa que o nosso destino, que talvez não inclua viagens
em armários, malas Louis Vuitton,
balões de ar quente e navios de tráfico, só nos leva a um ponto: nós mesmos.
Diverti-me, e isso já não é pouco. Vale pelo que conta, não pelo que pesa. Uma
história engraçada a fazer reter o nome do autor para próximas aventuras.
Boa Semana e
Boas Leituras!!!
Na Mesinha De
Cabeceira:
MONTEDOR de José Rentes de Carvalho
(Quetzal)
O LEGADO DE HUMBOLDT de Saul Bellow
(Quetzal)
AMORES E SAUDADES DE UM PORTUGUÊS
ARRELIADO de Miguel Esteves Cardoso (Porto Editora)
PANICO NO SCALA de Dino Buzzati (Cavalo
de Ferro)
TUDO O QUE SOBE DEVE CONVERGIR de
Flannery O´Connor
VITORIA de Joseph Conrad (Ulisseia)
OS FACTOS de Philip Roth (D.Quixote)
A SOMBRA DA ROTA DA SEDA de Colin
Thubron (Bertrand)
AS LUZES DE SETEMBRO de Carlos Ruiz
Zafón (Planeta)
MAS É BONITO de Geoff Dyer (Quetzal)
VERDADE AO AMANHECER de Ernest Hemingway
MIRAGEM DE AMOR COM BANDA DE MUSICA de
Hernán Rivera Letelier (Quetzal)
O JOGO DO MUNDO de Julio Cortázar
(Cavalo de Ferro)
DIÁRIO PARA ELIZA de Lawrence Sterne
(Antígona)
FUGAS de Alice Munro (Relógio D´Àgua)
DANUBIO de Claudio Magris (Quetzal)
OS ANEIS DE SATURNO de W.G.Sebald
(Quetzal)
TELEFÉRICO DA PENHA (IMAGINÁRIO E
REALIDADE) de Esser Jorge Silva (Edições Húmus)
LIBRA de Don DeLillo (Sextante Editora)
RELATÓRIO DO INTERIOR de Paul Auster
(ASA)
ALFABETOS de Claudio Magris (Quetzal)
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