ENGANO de Philip Roth (D. Quixote)
“Nenhuma coisa desengana a quem quer
enganar-se.” Padre António Vieira
Mais um livro de Philip Roth. Mais uma excelente surpresa. Uma obra
original e num registo que para manter a coerência literária e a qualidade ao
longo de todo o livro, só mesmo ao alcance de um enorme contador de histórias.
Não é um livro fácil de catalogar, ao invés, é extraordinariamente fácil de
ler. É um conjunto de diálogos entre dois amantes, e é mesmo só isso. Claro que
falando de Roth este “só isso” contém um universo de ideias. O que é no mínimo
extraordinário é que o que poderia ser um apêndice de outra qualquer obra se
torna aqui numa história que vale por si só e nos oferece uma visão sobre este
cenário a partir de um ângulo muito particular. Fazer caber toda uma história,
todo um cenário e respectivas personagens num enquadramento puramente oral não
é fácil, e, pelo menos para mim, é uma abordagem nova. Creio já por aqui ter
afirmado que o experimentalismo literário e a busca do original pelo original,
que caracteriza muitos autores a trilhar a sempre difícil senda da afirmação
junto dos leitores e da critica, nem sempre tem os melhores resultados. O
mercado da edição está inundado de “novas formas”, “visões renovadas” e
abordagens radicais ao ato de escrever. Ao nível conceptual há muita escrita
moderna que está para o ato de contar uma história ou passar uma mensagem como
a arte contemporânea situada num patamar em que apenas parece interessar o ato
em si ou o seu resultado e não a quem se destina, (se é que se destina a
alguém). A mim, afigura-se-me difícil abarcar determinados conceitos, até
porque tenho a vantagem de pelo meu lado pensar saber com alguma clareza do que
não gosto. E disso, como é o propósito último desta coluna, não se fala aqui.
Estou certo que as minhas indicações não serão nem sempre nem nunca
consensuais, mas são do meu gosto. E é disso que aqui se trata, da minha
triagem particular aos livros que me vão passando pelas mãos. Do que li até
agora de Roth, ainda não apanhei nada que seja menos bom, ou que satisfaça pela
metade, como em muitos outros autores (e em alguns de que gosto mesmo mais do
que Roth). É este livro um exemplo de como se pode ter um caminho diferente sem
abdicar do que fundamentalmente interessa. Gostei. Muito. É o Philip Roth que
conhecemos, a usar uma luz nova para iluminar alguns dos seus temas de sempre,
a reter, como sempre, aqui mais disfarçada, mas ainda assim evidente, a
discussão sobre a visão sobre os judeus e o anti-semitismo de ambos os lados de
cada um destes fantásticos diálogos. Pode também considerar-se um excelente
livro de pequenos contos. Aconselho vivamente. Boa Semana e Boas Leituras!!! J
Na Mesinha De Cabeceira:
PENA CAPITAL de Robert Wilson (D. Quixote)
ATÉ AO FIM 1944-1945 de Ian Kershaw (D. Quixote)
MIRAGEM DE AMOR COM BANDA DE MUSICA de Hernán Rivera Letelier(Quetzal)
A FABULA de William Faulkner (Casa das Letras)
A PIADA INFINITA de David Foster Wallace (Quetzal)
ARCO-IRIS DA GRAVIDADE de Thomas
Pynchon (Bertrand)
PELA ESTRADA FORA (O ROLO ORIGINAL) de Jack Kerouac (Relógio d´Água)
A DIVINA COMÉDIA de Dante Alighieri
(Quetzal)
A CONSCIÊNCIA E O ROMANCE de David Lodge (ASA)
UM HOMEM DE PARTES de David Lodge (ASA)
NADAR PARA CASA de Deborah Levy (D. Quixote)
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