AS PRIMEIRAS COISAS de Bruno Vieira Amaral (Quetzal)
“Aqui
não andam só os vivos – andam também os mortos. A humanidade é
povoada pelos que se agitam numa existência transitória e baça, e
pelos outros que se impõem como se estivessem vivos. Tudo está
ligado e confundido. Sobre as casas há outra edificação, e uma
trava ideal que o caruncho rói une todas as construcções vulgares.
Debalde todos os dias repelimos os mortos – todos os dias os mortos
se misturam à nossa vida. E não nos largam.” Raúl
Brandão
Prosseguindo
nestas ultimas semanas num ritmo muito apreciável de leituras, fui,
como muitas vezes faço, procurar uma obra nova que viesse bem
recomendada. Esta vinha com apresentação de José Rentes de
Carvalho que, a juntar ao imenso prazer que tenho tido em ler a sua
obra, também nos seus conselhos de leitura e indicações ainda não
me falhou uma única vez. E, devo afirmar desde já, não só
concordo com tudo o que Rentes de Carvalho deste livro nos diz como
devo reforçar o tom. Há já algum tempo que nada escrito por e em
português de Portugal me espantou tanto. Tenho por hábito
disseminar pelos meus amigos leitores todas as obras que mais me
agradaram. Este “As Primeiras Coisas” já foi de oferta para meia
dúzia de amigos,e, como antecipava, a opinião converge com a minha.
Cocteau dizia que o estilo é uma maneira muito simples de dizer
coisas complicadas, não posso estar mais de acordo. E acrescento,
poderá ser uma maneira muito simples, mas é talvez a mais dificil
de conseguir. Já o inverso, infelizmente abunda. Mas, voltando ao
que aqui interessa, que espantoso livro, e que “primeira coisa”
excelente nos dá Bruno Vieira Amaral. É a soma de todas as partes
desta prodigiosa primeira obra que se torna maior do que o todo. A
ideia de base, o modelo da obra é por si só, justa causa de
merecidos elogios. A forma como se introduz o narrador, o regresso a
um passado que teima em permanecer, e depois, uma espécie de romance
“por entradas”, que espantosamente se une num todo perfeito, é
para dizer o minimo, uma delicia para mim leitor. Claro está que a
forma é apenas o prato onde nos é servido um banquete de escrita
superior. Todas as personagens, todas as situações, todas as
memórias, tudo que nos é mostrado tem algo de primordial, de
essencial e verdadeiro. Toda a gente, tudo o que se passou, todo o
Bairro Amélia, tudo, mas mesmo tudo existe agora para sempre em mim.
É uma escrita profundamente verdadeira. Sem artificios, sem
concessões. Nada menos. Há muito, muito tempo que não lia nada que
me tivesse agradado tanto. Mais um espinho cravado (e bem) no meu
cada vez menos convicto, preconceito com “autores portugueses
vivos”. Bruno Vieira Amaral entra directo para um lugar especial
nas minhas preferências. Um autor novo, uma voz nova, que tem, de
facto algo para nos contar. Um livro excelente sobre um universo onde
cabe de tudo. Um livro raro, até ao final, que é de uma espantosa
perfeição e nos faz ficar à espera de mais. E isso não é pouco,
é simplesmente tudo. Assim não é apenas fácil sugerir esta
leitura, é um prazer que me orgulho de poder partilhar. Boa Semana e
Boas Leituras!!!
Na
Mesinha De Cabeceira:
MIRAGEM
DE AMOR COM BANDA DE MUSICA de Hernán Rivera Letelier(Quetzal)
ARCO-IRIS
DA GRAVIDADE de Thomas Pynchon (Bertrand)
A
CONSCIÊNCIA E O ROMANCE de David Lodge (ASA)
C
de Tom McCarthy (Editorial Presença)
O
JOGO DO MUNDO de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)
DIÁRIO
PARA ELIZA de Lawrence Sterne (Antígona)
O
HERÓI DISCRETO de Mário Vargas Llosa (Quetzal)
HISTORIAS
DE LOUCURA NORMAL de Charles Bukowski (Alfaguara)
A
RAPOSA AZUL de Sjón (Cavalo de Ferro)
À
MESA COM KAFKA de Mark Crick (Casa das Letras)
LISBOA
(A cidade vista de fora 1933-1974) de Neil Lochery (Editorial
Presença)
ESCREVO
PARA AJUSTAR CONTAS COM A IMPERFEIÇÃO de Ricardo Guimarães (Modo
de Ler)
FUGAS
de Alice Munro (Relógio D´Àgua)
DEIXA
LÁ e MÁS NOVAS de Edward St Aubyn (Sextante Editora)
LIBRA
de Don DeLillo (Sextante Editora)
CRÓNICAS
DO AUTOCARRO de Manuel Jorge Marmelo (Ed. Autor by Oporto Lobers)
RELATÓRIO
DO INTERIOR de Paul Auster (ASA)
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